quarta-feira, junho 28, 2006

Não é o que não pode ser - parte 1


Patrícia


Abriu os olhos. Viu o teto branco. Virou de ladinho. Dez para o meio-dia. Esse negócio não desce! Não pode ser. Isso é para eu aprender. O que vão dizer? Será que desceu? Porta, claridade, banheiro. Nada! Não é possível, já faz dias que esse negócio era pra ter vindo. Água no rosto. Sandálias, blusinha branca básica. Calça jeans, cox baixo. Escadaria. Maria, todos já almoçaram? Já, só falta você! Prato, talheres, mesa. Arroz, feijão, bife a role, salada. Banheiro. Escova nos dentes. Escadaria, porta da cozinha. Tchau Maria. Tchau!

Fecha portão. Rua. “Vou logo ver esse negócio, Claudinha já me avisou pra não deixar passar muitos dias”, com o endereço nas mãos de uma clínica de testes que a amiga lhe arrumara. A caminho do ponto de ônibus, os carrinhos de bebês nas calçadas se multiplicavam. Os vestidos de grávida. Tanta informação e eu nessa, paranóica. Pense positivo, pensamento positivo! Esse negócio não sai da minha cabeça. Bom, daqui 2 horas estarei sossegada. Será que o resultado demora? Fez sinal com o braço, era o ônibus que esperava. Escadas, cobrador, roleta, bancos. O pensamento lá, rondava e uma gorda atrapalhara-se para atravessar a roleta, carregava uma criança no colo. Porém a gorda fazia-a lembrar de professora que mal cabia na cadeira. “e o que importa isso agora? Estou fudida. Literalmente. O Jorge vai segurar essa comigo, ah vai!”
Deu sinal. Desceu. Três quadras e estaria no início do fim de seu desespero, era o que todos esperavam, ou melhor, ela. Porta de vidro, ar condicionado, assentos individuais com estofado verde combinando com as paredes . . .


continua no próximo episódio...

quinta-feira, junho 22, 2006

Hoje a pauta não é suicídio


Olívio


Não. Hoje a pauta não é suicídio. Eu até ando com uma vontade de viver muito atípica. São as mulheres... ah, as mulheres! As putas mais fogosas, as fúteis mais ingênuas, as meigas mais cansativas, as fatais mais instigantes: estou pensando muito nelas. Queria fazer uma poesia, mas ontem estava resgatando umas músicas e encontrei palavras insubstituíveis:


Seus olhos e seus olhares, milhares de tentações
Meninas são tão mulheres
Seus truques e confusões se espalham pelos pêlos, boca e cabelo, peitos e poses e apelos
Me agarram pelas pernas
Certas mulheres como você me levam sempre onde querem

Garotos não resistem aos seus mistérios
Garotos nunca dizem não
Garotos como eu, sempre tão espertos,
Perto de uma mulher são só garotos

Seus dentes e seus sorrisos mastigam meu corpo e juízo, devoram os meus sentidos
Eu já não me importo comigo
E então são mãos e braços, beijos e abraços, pele, barriga e seus laços
São armadilhas e eu não sei o que faço
Aqui de palhaço, seguindo os seus passos

quinta-feira, junho 15, 2006

Não vale a pena ver de novo...


Maria Luísa


Mais um ano de eleição chegou. Vocês já estão sentindo o cheiro de democracia no ar? Estão felizes com a possibilidade de escolher seu candidato?
Muito bonito mesmo: cada cidadão procurando se informar sobre seus candidatos e partidos, acompanhando os debates realizados pelas emissoras de TV ou de rádio, ou ainda pelas principais publicações do país.
Mas é claro, toda essa beleza só vai aparecer depois da Copa. Posso até ouvir a chamada, uma mistura de circo com propaganda de novela feita por um tipo debochado, engravatado, usando cartola.

“Rrrrrreeeespeitável público! Vai começar as novas novelas do Brasil: a novela da uma e das oito horas, cujos orçamentos são altíssimos: trilhas sonoras, vinhetas e grande elenco.
Uma graaaande produção que conta com atores que já protagonizam essas novelas há muito tempo (dá uma piscadinha) e também têm aqueles que estão estreando. Não são tão bons, mas o povo acredita, aliás, não é difícil cair no gosto de um público flexível como o do Brasil, não é mesmo? (risada maléfica).
Tem a famosa volta dos que não foram, aqueeeele "casting" que não deu certo, mas que se aproveita da memória curta dos telespectadores, e retornam com outra versão da antiga novela. A mesma trama! Só que mais moderna, mais arrojada, novos personagens, verrrrrdadeiras revelações!” (gargalhada maléfica)

Tudo isso se repete a cada fase eleitoral, parece que todos os partidos contratam a mesma empresa de propaganda especializada na artificialidade: os candidatos aparecem como possíveis heróis não só do Brasil, mas da humanidade. Os mocinhos atacam os supostos bandidos e desmascaram mocinhos que na verdade são supostos vilãos, há uma dramatização em tudo, eles beijam e abraçam os pobres enganados, usam da boa imagem das esposas, dos filhos, da igreja e até arriscam umas brigas no ar para aumentar a audiência.

Será que estou sendo muito cruel?

Ontem tinha uma tucanada na TV dando umas boas bicadas no atual governo, veja só, os paladinos da ética! Realmente, o mensalão, dólares na cueca, uma vergonha! Mas, não sei... Algo cheirava muito podre dentro daquela gaiola.
Sivam? Pasta Rosa? CPI da Dner? Compra de votos? Desvalorização do real e Bancos Marka e FonteCidam? Consórcio do Banco Opportunity? CPI da Corrupção abafada em 2001? Eduardo Jorge? Geraldo Brindeiro, o engavetador-geral? Alguém se lembra?

Uma vez, tinha uma mulher no ponto de ônibus com uma criança, não sei se era filho, neto. O menino apontou o pacote de Ruffles vazio para a mulher, como se estivesse perguntando: “Onde jogo?”. A mulher respondeu ao gesto:
- Joga aí no chão, já está tudo sujo mesmo.

O que resta então é um alerta final: estão subestimando os brasileiros que estão deixando se subestimar. A cortina de ferro está de volta: propostas e propostas, mas e as soluções? Promessas dos que já estão ou sucedem um poder, por que eles não cumpriram antes? É a novela da emoção falsa sobre a verdade, da aparência sobre a essência, sinceramente, não vale a pena ver de novo. Agora com licença, que eu preciso tomar um ar, senão vou acabar vomitando.

segunda-feira, junho 12, 2006

Fim de semana aleatório. Mas nem tanto.


Patrícia


Uma vez quando estava indo visitar sua amiga Cláudia conheceu um garoto. O clima rolou na hora, mas não podia ficar com o menino ali, precisava fazer um charminho. Arranjou-lhe o telefone celular. Ficou apaixonadíssima, ele era um gato. Pensou em pegar o telefone do menino, mas não, eles é que sempre deviam ligar.

Acordou atrasada para um almoço familiar. Depois passaria no centro comercial da cidade para comprar uma blusa preta, afinal essa era a festa do fim de semana: black total. Atrasou toda a casa, já acordara tarde e ainda precisava fazer chapinha. Onde já se viu sair de casa sem chapinha e sem salto? Definitivamente não. Havia passado a madrugada no computador, como de costume. Escutou sua mãe berrando umas 3 vezes. Ela que esperasse, o almoço não sairia voando da casa da avó. E carregava a certeza de que, no final das discussões, a vó daria razão a neta.

Enfim, todos estavam a caminho do bairro da Conceição. Dá pra trocar essa música mãe? Põe lá na 98. Mas lá só toca essas modinhas filha! Por isso mesmo dona Célia! Adorava chamar sua mãe dessa forma. A mãe fez sua vontade.

Um dia a filha aprenderia com os gostos musicais requintados dos pais. Era questão de tempo. Cumprimentou a todos e foi ver o que prepararam para o almoço. Havia peixe e salada. Até perdera um pouco a fome, detestava peixe, mas certamente a vó não se esquecera deste detalhe. De fato a avó não esquecera. Preparara uma opção especial pra neta. E achava mesmo que Patrícia não lia muito, só falava de festas, badalações e de roupas novas e dinheiro para comprar perfumes, além de comentar os babados das amigas. Entretanto, Dona Carminha achava isso um tanto normal, era coisa da idade.

Alô? Oiiii Claudinhaaaaaaaaaa, estou na casa da minha vó... Ah sim claro, irei na cidade daqui a pouco. Quando eu chegar em casa te ligo pra gente combinar sobre hoje a noite... Amiga, está só começando o fim de semana! E realmente só estava começando. As horas não passavam, ainda eram 3 e pouco da tarde, e a festa demoraria a chegar...

Patrícia chegou em casa, largou as coisas sobre a cama, tirou o sapato, colocou o celular sobre a mesinha e telefonou.....

Claudinhaaaaaaaaaaaa! Sou eu de novo. E aí querida, o Pablo vai na festa?
Vai sim, claro!
Ah é? E como você sabe?
Instinto feminino!

quinta-feira, junho 08, 2006

“Decidi” esta semana não transmitir a nenhuma criatura o legado da minha miséria


Lenita


No trajeto cotidiano...
...em meio aos horríveis casebres em profundo contraste com as habitações higiênicas e modernas, que passam disformes...em um todo compacto, homogêneo...rapidamente ante ao vidro da janela...
...me pego pensando numa dessas amantes boçais...que como a Fedra da fábula caíra sob o látego da carne...
Como em um frenesi, me embriago com esse pensamento, atingindo um estado demente...Solto, de repente, um sorriso cruel gelado, torço as mãos e bato meus pés em um ritmo nervoso. Queria, como os imperadores romanos diante das lutas dos gladiadores, ter direito de vida e de morte; queria poder fazer prolongar o seu suplício até à sua exaustão; queria dar o sinal, pollice verso, para que o executor consumasse a obra.
Queria a morte da fêmea estúpida...que é capaz de matar os genitores por um desarranjo orgânico, por um desequilíbrio de funções, por uma nevrose...que alguns chamam de amor...outros de ganância...
Enfim...como seu próprio nome a define...é claro desconsiderando a pequena variação – Suzane, vem de Susie, quem em hebraico significa pura como um lírio – aliou a habilidade com a destreza de um gatuno, que atento a todos os detalhes...abre a sua vivenda, para o algoz findar com aqueles que lhe deram a dádiva da vida.
Dissimulada, fria...arquitetou todos os passos a serem cumpridos...tudo em busca, tudo pela realização da união carnal...que nunca está contente por si só...
...se assim o fosse, não teríamos aqueles seres nojentos, distantes da mínima beleza...que empapuçam todos os dias os seus aventais e reclamam...ah! como reclamam de não serem felizes no casamento, enfim...o que lhes falta todos sabemos bem o que é...
...e esperta Suzane também o sabia...além do desejo da carne...ansiava pelos prazeres mundanos em sua totalidade...a grosso modo...queria dinheiro para viabilizar uma atração viciosa...
Dinheiro e Sexo...máximas da vida??? Ora não fique indignado...pense como animal que o é...todos temos os nossos genes egoístas que querem perpetuar a nossa espécie, da melhor maneira possível...
***
Então, volto ao meu anseio inicial, a morte fria de Suzane...e repenso horas a fio...concluindo que todos somos um pouco dela...ansiamos pelo desregramento de sentidos...pela quebra da moral...mas tememos sermos considerados brutos...
Reconheço que até mesmo eu, uma mulher superior, apesar da minha poderosa mentalidade, com toda a minha ciência, não passava, na espécie, de uma simples fêmea, e que o que sentia era o desejo, era a necessidade orgânica do macho. Suzane apenas atendeu a essa necessidade, foi até o fim...
Talvez fosse o caso de repensarmos...e optarmos não pela morte de Suzane...mas talvez na mórbida idéia de suicídio...como uma tentativa de eliminarmos as anomalias que somos no Universo...
"Tema o homem a mulher, quando a mulher odeia: porque, no fundo, o homem é simplesmente mau; mas a mulher é perversa."
Friedrich Wilhelm Nietzsche

domingo, junho 04, 2006

Mais um dia normal

Maria Luísa

Cinco e meia da manhã. Celular insuportável!
- Maria Luísa!!! Se quiser carona comigo, levanta logo!!!
Não, não é possível. Ainda está escuro. Não... Não mãe. Não puxa minha coberta... Eu acho que vou pegar uma gripe. Dor no corpo, que frio! Só pode ser febre! Melhor eu ficar em casa hoje. Boa noite mãe!
- Maria Luísa, deixa de frescura e levanta. A primeira aula de hoje não é física? Você me disse ontem que estava cheia de dúvidas. Vai! Levanta!
Legal mãe, me ajudou muito. Segunda-feira fria, cinco e meia da madrugada, primeira aula? Física! Você me venceu com sua crueldade. Agora me dá um beijo de bom dia.
- Exageraaaada!- e ela me dá um tapa na bunda. Viram como minha mãe é má?
Pelo menos de manhã, o banheiro não deveria ter espelho. Olha só pra isso! Minhas olheiras vão até as bochechas! Brrrriii... água gelada. Vai! Joga essa água na sua cara feia!
Calça jeans super básica, moletom branco preferido e casaco preto. Minha mãe entra no quarto feito um furacão.
- Deixa eu abrir essa janela! De novo esse moletom Maria Luísa?
Como ela consegue ser tão disposta?!?!
- O que você vai comer? Não vai sair sem comer de novo hein? Está tudo em cima da mesa. Leite, café, chocolate, pão, torrada, bolacha, margarina, requeijão, geléia. Seu pai foi na padaria aí debaixo e comprou alguns frios também. Se quiser alguma fruta, tem na geladeira. É só lavar.
Tem melancia também? Se não tiver melancia eu não levanto daqui...
- Engraçadinha. Vê se leva algo pra comer. Não vai comprar coxinha na cantina!
Ok mãe.
Que mesa farta! Vai sobrar um monte de coisa. E tanta gente passando fome por aí. Mãe, na hora que eu engulo o leite, minha garganta dói. Tá! Já entendi seu olhar.
- Você já penteou o cabelo?
Meu pai: - Quem, eu?
- Não, a Maria Luísa.
Faço cara feia, ela vive implicando com o meu cabelo, mas eu a amo mesmo assim. Meu pai pega a chave do carro e fica me esperando na porta. Ele é o cara mais calmo do mundo, distraidíssimo! Pego minha mochila verde musgo, beijo minha mãe, grito TCHAU!!!! para minha irmã que ainda está dormindo e tento mais uma vez não ir pra aula: Mãezinha, acho que dei um mal jeito nas costas quando fui pegar a mochila. Ela se levanta e vai para o quarto se trocar.
- Boa aula Maria Luísa!
No caminho eu ligo o rádio. Cidade agitada e não são nem sete horas. Meu pai fala pouco, de vez em quando indagavava:
- É nessa rua que eu entro? Eu sempre esqueço.
Normalmente, eu vou de ônibus para o cursinho, outras vezes vou a pé até a estação de metrô. No entanto, minha mãe prefere que eu vá com o meu pai. Já dirijo e não tenho carro. É, eu sei que minha dependência financeira é vergonhosa. Mas o preço do cursinho também é vergonhoso. Uma facada! Como não sei fazer nada, se eu fosse trabalhar, ganharia pouquíssimo, todo o meu salário iria para o cursinho. E não sobraria tempo para estudar. Pelo menos foi esse o argumento usado pelo pessoal de casa para me convencer a não trabalhar. Eles acreditam no meu potencial. Fico imaginando os sonhos que meus pais têm de noite:
“Um belo consultório. Novinho em folha! Belos quadros nas paredes pintadas de salmão. Algumas criancinhas fofas com suas mães, sentadinhas esperando para serem atendidas. De repente, no fundo do corredor, a porta se abre. Uma luz que ilumina todo o ambiente. De lá, sai uma bela mulher, com um belo tailleur branco. Cabelos impecáveis, estetoscópio rosa pendurado no pescoço. Então, a secretária bonitinha abre um sorrisão e diz exultante: Ali está a DOUTORA Maria Luísa!”

Chego à escola. Brigada pai! Atravesso na faixa correndo. Se não correr morro atropelada! Toda vez que atravesso ali me sinto um pino de boliche. É sério, um dia eu vi a cara diabólica de um motorista dentro de um Fox Cross vindo na minha direção. Que raiva dele! Apontei o maior de todos, acredito que ele não viu. Da próxima vez, solto logo um “Filho da puta!!!” ou um “seu merda!!!”. Não me olhem assim, eu sou um doce quando não tentam me atropelar.
Em frente à porta principal, dou mais uma olhadinha na rua, suspiro para ganhar força e entro para a aula de física. Lembro-me então da frase do meu filósofo preferido, o Garfield: Odeio segunda-feira!

sexta-feira, junho 02, 2006

ESTE QUE VOS FALA É A IMAGEM DO FRACASSO!


Olívio


Acordei atrasado. De novo. Pela sétima vez nessa semana. Inferno!
Tudo bem, eu sou autônomo. O que me irrita é não poder dizer "Puta que pariu, perdi a reunião com os fornecedores!". É fato: sou um administrador tão medíocre que nunca tive nenhuma reunião com fornecedores.
Acordei com um telefonema da minha mãe. Ela ligou cinicamente pra saber se eu tinha me atrasado novamente. Sua observação soou como maldição aos meus ouvidos:
- Se você tivesse uma mulher pra cuidar de você, isso não aconteceria. Seu burro!
Burro é quem tem cabresto no pé. Se eu precisasse de gerência não seria dono do meu próprio negócio. E que negócio!
A empresa vai bem, mas hoje eu tive vontade de me matar. Pela sétima vez nessa semana! É uma forma de adiantar o sono eterno, já que minha vida está um saco e não consigo despertar na hora certa. Quando penso nisso, o processo criativo começa a aflorar. Afinal, faz parte da minha rotina suicida escolher um método bizarro para morrer e redigir um poema descrevendo requintes da autodestruição que nunca acontece.
Desta vez, resolvi investir na soda cáustica. Eu tinha gasto todo o meu dinheiro com uma puta de luxo na noite anterior, precisava de algo certeiro e barato. Um suco de hidróxido de sódio! Morreria como um injustiçado pela vida, não um bêbado safado, já que a substância corroeria os vestígios de álcool e luxúria ainda presentes no meu corpo pela manhã.
Preparei o refresco e fiquei admirando sua efervescência, enquanto escrevia:

"Quero me jogar de cima da pedra mais alta.
Mas sou urbano, não vejo pedras pela janela!
Queria voltar a ser aquele menino peralta
Mas não sei como, então vou doar minha costela
Pra esculturar a mulher perfeita que nunca encontrei.
E esta soda que agora corre pela minha garganta dissolvida
Me levará pra um lugar onde um homem melhor me tornarei
Pra encontrá-la e fazê-la feliz em outra vida."


Medíocre. Desculpe repetir o adjetivo, mas não vejo outra maneira de expressar tal produção pseudointelectual. De qualquer maneira, a hora da morte estava próxima! Não nego que tive medo, como todas as outras vezes. Conduzi o copo com os íons ávidos por carne humana até a corajosa extremidade da língua. Tive cócegas. Despejei uma pequena quantidade do líquido na boca e cuspi violentamente. Cócegas de novo. Mas não era pra fazer cócegas, porra! Transformei minha enésima tentativa de suicídio numa piada patética.
Então, pensei em Patrícia, a filha mais velha do meu sócio.
Uma garota cheia de si que vive fazendo joguinhos de sedução implícitos. Está sempre perfumada, impecavelmente vestida e com um salto que a deixa maior do que eu! Apesar do visível gosto pela futilidade, algo que abomino, ela sabe estremecer minhas pernas quando passa por perto. Fico sem graça, vagando pelo ambiente em busca do melhor ângulo para admirá-la, com uma vontade incontrolável de tocá-la. Sinto que ela sente o mesmo, mas se segura firme como aço pra não deixar transparecer. Maldita! Ela sabe que eu sei o que ela sente e que ela sabe o que eu sinto.
Bem, posso não acreditar no amor, mas a paixão é uma forma de transcendência totalmente viável. Acabei de descobrir que estou completamente apaixonado por essa mulher. Isso passa, eu sei. Todas as paixões passam para dar lugar a outras, isso quando não são concomitantes. O nosso flerte não assumido tem transcorrido de maneira inteligente, é um jogo proibido que eu não tenho vontade de interromper.
Perdi o tesão pra continuar com aquilo tudo. Me mato outro dia.