sexta-feira, agosto 11, 2006

A GRAÇA DAS MULHERES

Jaime

Estive a admirá-las por toda a minha vida. A graça das mulheres é de graça. Com o tempo contado ela chega. A menina desengonçada, de pernas finas e barriga saliente, ganha curvas invejáveis. Fico a imaginar como é ser um tamborzinho e acordar no dia seguinte sendo um violão, tocado por mãos leves. Meu Deus... Que corpo elas têm.
Que graça é vê-las de longe e admirar a silhueta desenhada pela sombra provocada no pôr-do-sol. De perfil, então, não há o que dizer. Os seios entram em harmonia com o quadril. Se um é grande demais o outro compensa, assim, há opções para todos os gostos. Mas sim.Todas elas são belas.
Uma pena que sejam cegas. Tão cegas que não saibam que têm de graça tanta graça. Estão sempre a querer mudar. Se são loiras, pintam as madeixas de negro. Se são morenas, se tornam loiras. Apenas as ruivas naturais dificilmente tingem os cabelos. Imagino que seja porque sabem que as sardas combinam perfeitamente com os fios em chamas. Mas muitas outras procuram na química o tom fogo exclusivo da natureza.
Pois assim elas continuam a viver. Em dieta constante, renunciando o sabor doce de um chocolate para não fazer feio diante do biquini.
Quem foi que as disse que não gostamos das dobrinhas na barriga ou dos furinhos no bumbum? Tudo isso as tornam mais femininas.
Mulheres perfeitas? São pura ilusão. Nós nunca seriamos felizes com mulheres sem furinhos. Deve dar medo de tocar. E posso jurar que os que as têm, sabem exatamente onde encontrar um furinho só para admirar tamanha feminilidade.
Dia desses, enquanto me matava na esteira da academia para manter a barriguinha tamanho médio, notei que ria sozinho. Ao meu lado, dos dois, inclusive, mulheres corriam há uma hora. Certamente tinham exagerado no final de semana. Mas eu ria e sabia o porquê. Elas não precisavam de tanto esforço para serem notadas pelos homens. Nós as admiraríamos nem que fosse apenas pelo cheiro natural do corpo. Nós só por sabermos que existem.
Dizem que essa vaidade toda é pura competição interna, entre mulheres. Deve ser por isso que não as compreendemos.
Mas elas deveriam agradecer por terem tanta graça. Deveriam, induscutivelmente, abrir os olhos e agradecer.
Quando olho para minha irmã, recordo-me do meu próprio reflexo no espelho. Sua pele desprovida de pêlos ainda é lisa e macia como a de uma jovem e seu corpo anuncia que nunca perderá as curvas, mesmo que os anos insistam em passar. Quando olho para mim, a única mudança são as canelas afinando e a barriga crescendo. Estou adquirindo a forma "barril andante", a sina de todos os homens com mais de um metro e oitenta e menos de um e noventa.
Hoje estive na minha teraupeuta. Comentei que precisava perder alguns quilinhos. O que ela me falou? " Você não sabe a graça que tem".

Alguns homens devem nascer também com a graça das mulheres. Eu devo ser um deles. Delas. Sabe-se lá o que.

domingo, agosto 06, 2006

Não é o que não pode ser - parte 2


Patrícia

No episódio anterior...

Deu sinal. Desceu. Três quadras e estaria no início do fim de seu desespero, era o que todos esperavam, ou melhor, ela. Porta de vidro, ar condicionado, assentos individuais com estofado verde combinando com as paredes.

Parte 2

“Quanto é?” “São 50 reais”. “Puta queu pariu, 50 paus jogados no lixo”. Foi lá dentro, voltou num minuto. “O resultado sai amanhã de tarde”. “Amanhã?” “Isso”. “Tudo bem, obrigada, até logo!” “Até”. Agora é desencanar. "Nossa tenho uma resenha pra fazer. Dane-se a resenha, quem manda ser burra, quem sabe assim eu aprendo". "E os tios, imagina eu com barriga aparecendo e todos me condenando! Mas eles que se danem também, nunca ajudavam em nada". O estômago incomodava. Andava apressada, passos furiosos. Saco cheio já. PROMOÇÃO: fraldas a partir de RS: 3, 50. Nunca vira tantas crianças nos colos, tantas moças grávidas. O celular. “Alô? Estou indo pra casa. Tá, ok eu ligo quando chegar, Claudinha”. Queima de Estoques!! Festival de preços baixos! Enxovais de bebê a preços de custo! Ansiosa, a cabeça começava a doer, o incerto incomodava. No ponto de ônibus uma mulher grávida puxou conversa. Tudo parecia conspirar a favor. O ônibus se aproximava, foi despedir-se da recém conhecida, mas a mulher disse que também pegaria aquele coletivo. Sentaram juntas. Não tinha coragem de perguntar se era um menino ou uma menina. Nem precisou: “estou esperando uma menina, não é lindo? Vai se chamar Carol!”
“Huummm, legal...”
“Você não pensa em ter filhos?”
“Não!” “Quero distância disso!”
“Credo! Que isso??” – pasmou a moça com a reação de Patrícia, acariciando a barriga que já “dava as caras” sob a camiseta branca.
“Éééé... no momento...”
“Claro, não estou dizendo agora, mas daqui há uns anos talvez...”
“Olha, não quero ser grossa, mas acabei de fazer um teste para saber se estou grávida ou não, estou em parafusos, sou muito nova, nem está nos meus planos ter um filho agora.”
“Ah sim, entendi o que se passa...”
A moça ameaçou levantar, Patrícia deu licença se despediu:
“Bem, prazer em conhecê-la, desculpe o jeito.”
“Magina, não tem problema, prazer, até mais”.

O coletivo estacionara no semáforo. “Mais três pontos e estarei enfim no meu quarto”. Olhava a paisagem pelos vidros. Lembrou de quando passeava de mãos dadas com sua mãe. Sentia saudades.

Chegou em casa, tirou os sapatos, os dedos do pé doíam. Ligou o rádio e lembrou-se de telefonar para Claudinha. Sentou na beirada da cama com o telefone sem fio numa das mãos, apoiando a outra nos joelhos:

“Alô, Claudinha?”
“Oi querida, como estás?”
“Bem, bem.”
“E aí?”
“Vc não sabe quem está grávida!” – disse Claudinha sem titubear.
“Ai meu Deus...”
“A Fabiana, a “puritana” lá da facul, sabe?”
“Putz, só posso estar grávida, não acredito, não acredito” – imaginava muda ao telefone.
“Patrícia?”
“Oi, oi.”
“Algum problema?”
“Apenas banalidades, temos que conversar, tenho algumas coisas pra te falar, mas agora preciso tomar banho e comer algo, meu estômago lateja.”
“Ok então, depois conto os detalhes!”
“Beijos.”
“Beijo, até.”

“Que saco, odeio quando não posso fazer nada para mudar a situação.” “Detesto esse tipo de coisa” - parada encarando-se de frente com o espelho da porta do armário. “O melhor é não pensar, preciso arranjar algo pra fazer, só amanhã mesmo saberei se me fodi ou não” – conversava consigo mesmo despindo-se no banheiro para o banho, estava atrasada para a faculdade.

No caminho o pai avisara-a que não poderia ir buscá-la, pois ele e sua mãe sairiam para jantar com o pessoal da empresa.

“Mas fica tranqüila, darei um jeito, caso seu irmão não possa ir, arranjarei alguém ou eu mesmo venho.” – avisou Frescrech pai.
“Beleza pai, qualquer coisa liga, saio as dez e meia, por aí...”
Deu um beijo de despedida no rosto da garota: “tudo bem filha, até.”
“Até, tchau, bom jantar!”
“Tchau, boa aula!”


A aula já havia começado. Pediu licença para o professor e entrou na sala. Vários dos garotos secaram-na enquanto escolhia uma carteira vaga. Era linda. Só não sabia que por causa daquele jantar de seus pais, a noite que apenas começava, terminaria de forma “diferente”.
Na saída o acaso dera um jeito de fazê-la esquecer por algum tempo as “paranóias” da possível gravidez...


Continua...

terça-feira, agosto 01, 2006

O mundo é bão

Maria Luísa


Foi um desses dias no qual ter aula de física às duas horas da tarde parecia letal, sendo mais clara, se eu entrasse naquela sala de aula e ouvisse o professor dizendo: “Força é igual à massa vezes aceleração” cairia morta no chão de tanto tédio. Incrível como conseguem transformar algo tão fascinante que é a ciência em coisa tão monótona. Pensando nisso, após o almoço, fui andar pelas redondezas da escola, sem ir muito longe, mamãe passaria em frente para me buscar às quatro e meia e Deus me livre de ela imaginar que eu enforquei o cursinho.
Que sensação boa. Posso até sentir o ar carregado de gás carbônico entrar pelos meus pulmões! Deu-me até uma súbita vontade de cantar: “I want to break free! I want to break free!! I want to break free from your lies/You're so self satisfied I don't need you/I've got to break free! God knows!! God knows I want to break free!” Já ouviram? Do Queen. “God knows!! God knows I want to break free!” Um mendigo na rua até deu risada e disse: “Moça, se eu tivesse alguma moeda eu até te daria” e caiu numa gargalhada insana. Não agüentei, entrei na dele, quis agradar com uma moeda. Coloquei a mão no bolso e não encontrei nada. Tirei a mochila das costas, abri e nada! Que vergonha. Olhei pra ele dando risada e a gargalhada dele cessou, não achou graça.
– Desculpe moço, não tenho nada mesmo, peraí, acho que tenho sim
Os olhos dele brilharam, tirei um chocolate do bolso
– Toma, um Suflair de chocolate alpino, meu preferido.
“Mas não tem nenhuma moedinha?”
- Não tenho, mas o chocolate é boooom.
Ele abraçou o chocolate, acho que fiz cara de quem ia roubar dele. Até parece que eu faria isso, coitado, todo sujo, dentes maltratados, olho vermelho, vai saber o que esse cara já encontrou pelo caminho e além de tudo, pela gargalhada dele e pelo jeito que me olhou quando agarrou o Suflair, provavelmente deve estar beirando a loucura. Resolvi conversar com ele:
- Qual é seu nome?
Olho arregalado, acho que nunca perguntaram isso pra ele. Sebastião.
- O senhor mora por aqui?
Fez que sim com a cabeça. Começou a abrir o chocolate, como quem queria fugir da conversa, tipo: “Dá licença que agora eu vou comer”. O problema foi que ele não achava o “Puxe Aqui” e começou a xingar.
- É... então, vira do outro lado, tem uma flechinha vermelha é só puxar.
Achou a flechinha, puxou e a flechinha ficou na mão dele.
- Tenta enfiar a unha por baixo da bordinha e rasgar
Ele já estava perdendo a paciência. As pessoas passavam apressadas pela calçada, alguns olhavam para aquela cena pouco comum, aquele senhor maltrapilho sacudindo a embalagem vermelha e dourada no ar, resmungando coisas incompreensíveis, enquanto eu disfarçava como quem dizia: Não, não fui eu que dei esse suplício pra ele!
Foi aí que eu perdi a paciência! Peguei um estilete dentro da mochila, desses de apontar lápis que não dá para apontar com apontador e me abaixei para pegar aquela maldita embalagem e abri-la logo. Seu Sebastião se assustou, me empurrou e saiu correndo, diria assim, abraçado ao chocolate. Fiquei ali, sentada no chão com o estilete empunhado. Um homem que estava no orelhão próximo me fitou com desprezo e fez um movimento negativo com a cabeça. Será que ele pensou que eu tentei roubar chocolate de um mendigo usando um estilete como arma? Levantei-me, limpei a calça. Minhas costas doíam um pouco.
Fui andando em direção à escola pensando no mendigo, como ele chegara àquele estado, de onde ele vinha, se era louco ou não, se tinha conseguido abrir o Suflair... Avistei minha mãe de longe, a uns dois quarteirões de distância. E sabe que música veio à minha cabeça?
“ O mundo é bão Sebastião, o mundo é bão Sebastião, o mundo é bão Sebastião, o mundo é seu Sebastião, ão, ao!”.
Ela riu quando entrei no carro cantarolando essa música e perguntou:
- Por que essa música Maria Luísa?
- Ahh... nada não.