sexta-feira, janeiro 26, 2007

Ela finge ser feliz, parte II

Maria Luísa
Devo desculpas aos leitores do “Heterônimos”, mas quem leu meu primeiro texto sabe que sou vestibulanda, uma entre tantos outros que prestam Medicina. O fim de 2006 foi agitado, quanta coisa aconteceu! Mas hoje vou lembrar daquele domingo do texto anterior, cumprir com o meu compromisso de continuar a história e daqui alguns dias (prometo que não será daqui alguns meses) conto como foram os vestibulares, que ainda não terminaram, segunda fase se aproximando... Para retomar, o último parágrafo:

Uma caminhada e estarei lá. Espero que esteja cheio, o tempo está fechando um pouco, São Paulo, São Paulo. Daqui já consigo ouvir a música e sentir o cheiro doce, que sensação boa...
Algumas pessoas entrando, crianças gritando, poucos jovens. Algo comum entre eles é o sorriso no rosto, inevitável não sorrir também, ainda que o meu tenha um fundo de tristeza. Sem tragédia! Se sofro decepções, se tenho certas dúvidas ou caio em ilusões é sinal que estou viva. Recentemente descobri que finjo ser feliz porque desde o dia que deixei de ser criança, não lembro quando foi, os problemas entraram na minha cabeça e de lá não querem mais sair.
O que posso fazer? Tentar resolver? Esse já é um exercício diário... O negócio é fingir felicidade, não enganar aqueles que convivem comigo, finjo para enganar minha cabeça, para distraí-la, como em um laboratório, manipular a química do meu corpo a meu favor. Como não existe vida perfeita, essa manipulação (muitas vezes inconsciente) é muito comum para todo ser-humano. Maria Luísa sem novidades.

Bem, o lugar que fui é um dos ingredientes para a fórmula da felicidade que nunca fica pronta, não fica pronta tanto a fórmula quanto a felicidade. Comprei meu ingresso na bilheteria, sem fila demorada. Olho para cima, acho que um pinguinho de chuva caiu no meu braço, se chover não dá pra aproveitar direito, perigo de raio. Também não quero voltar para casa molhada. Onde vou primeiro? Ao contrário das outras vezes quero começar com emoção. Já sei! A sensação aqui é boa, boa não quer dizer agradável. Teve momentos que me arrependi de ir, mas ao fechar os olhos e sentir o vento violento no rosto a vontade foi de repetir, melhor não, o coração não anda nos seus melhores dias. Nada de quedas violentas, o desejo agora é de voar, voar rápido. Aqui é possível desde que você se suspenda no ar e gire a toda velocidade, tanta força que lembrei de Newton.

Agora posso colocar a tiara de volta. Chega de emoções fortes, um doce para amenizar, um banquinho para descansar. É legal apreciar a paisagem e ver quanto tipo de gente existe. O garotinho segurando um balão sorri, a menininha gruda o cabelo no algodão-doce e senta do meu lado para desgrudar.
- Deixa que eu te ajudo, segura o meu, mas cuidado pra não grudar esse também – Ela sorri gostoso.
Tento com delicadeza puxar o cabelo em vão, ela resmunga um pouquinho. De repente, a voz de uma mulher me assusta:
- Maria Luísa! Te procurei em todo lugar menina!
Olho assustada e vejo a mulher brava se aproximar e puxar minha coleguinha do algodão-doce pela mão. Lança um olhar esquisito na minha direção, tipo tire suas mãos sujas do cabelo da minha filha! Levanto as mãos pra ela ver que não estava armada. As duas vão embora, a Maria Luísa olha para trás e dá um aceno pequenino. Nem deu tempo de dizer que eu também me chamo Maria Luísa, nem de pedir meu algodão-doce de volta. Coincidências...
- Tchau Malu!
Agora eu vou... Huuuum, sim, lá mesmo. Um sobe e desce lento, vento suave no rosto. Céu cinza, quase chuva. Lá em cima o coração pula de medo, lá em baixo pula por vontade de subir novamente. Pena não ter ninguém do meu lado para compartilhar a sensação. Não gostei do lugar vazio ao meu lado. Mudei logo, é de lá que vem a música! Também tem sobe e desce, só que sem medo, não é alto. Deu pra viajar um pouco, do lado de fora, minha mãe em um lado:
- Cuidado pra não cair Malú!
- Tá!
E meu pai com a câmera Polaroid de outro:
- Olha o passarinho Malú!
- Que passarinho?
Meia volta:
- Cuidado pra não cair Malú!
- Tá!
Meia volta:
- Olha o passarinho Malú!
- Que passarinho?
Minha gargalhada, leve, espontânea. Ficou no passado.
- Cuidado pra não cair Malú!
- Olha o passarinho Malú!
O trovão me desperta, a chuva chega. Aqui é coberto, mas posso sentir umas gotas molhando minha perna. Quase me distraio de novo se não fosse um grupo logo atrás de mim. Um rapaz grita:
- Justo hoje foi chover!
- Ah... Vê o lado bom, todo mundo foi embora, e a gente ficou aqui, único lugar coberto – Responde a moça alegremente.
Lado bom. É, sempre existe um lado bom. No entanto, meu lado ruim chamava. Ou eu descia logo para pegar o metrô ou chegava depois dos meus pais em casa. Melhor descer e encarar a chuva! Nada como um domingo molhado no metrô. Ligo meu Ipod, primeira música, Universo ao meu redor, da Marisa Monte. “Tarde, já de manhã cedinho/ Quando a nevoa toma conta da cidade/ Quem pega no violão/ Sou eu, sou eu/ Pra cantar a novidade/ Quantas lágrimas de orvalho na roseira/ Todo mundo tem um canto de tristeza/ Graças a Deus, um passarinho/ Vem me acompanhar/ Cantando bem baixinho/ E eu já não me sinto só/ Tão só, tão só/ Com o universo ao meu redor.” Fiquei feliz. De verdade. Música faz essas coisas com a gente.
Chegando em casa, surpresa! Todo mundo em casa cedo. Minha mãe com aquela cara:
- Maria Luísa! Onde você foi????
- Por aí.
- Por aí onde?
- No parque.
- Que parque?
Corri na direção dela, dei um beijo estalado e fui tomar banho.

“Graças a Deus, um passarinho/ Vem me acompanhar/ Cantando bem baixinho/
E eu já não me sinto só/ Tão só, tão só/ Com o universo ao meu redor.”