quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Cara, tá foda...


Samuca


Tá...deixa eu ver se já saquei isso tudo...quando rolou a guerra entre os persas e os romanos, a temperatura média do planeta era de 22 graus Celsius, havia mais gimnospermas na região andina, as cadeias de carbono já eram essas que conhecemos hoje e não fazia a menor diferença se o log10 é 1 ou 0...ou 100...ou 1000...
Ahhhhhhhhhh!!!!!!!!!


Não agüento mais estudar pra essa porra de vestibular! Caralho, só faço isso desde os meus 15 anos!!! Tá...eu sei que faz dois anos e que para qualquer pessoa na faixa dos 35 a 40 anos, na qual incluo meus pais, dois anos são quase nada. Mas o tempo é relativo. Não é, caro Einstein!?
Amanhã eu tenho que acordar cedo pra fazer a droga da inscrição. Sei lá o que eu quero. Andar vestido de pingüim o dia todo, enforcado por uma gravata, usando data vênias e habbeas alguma coisa na minha redação, não vai rolar. Meus pais ficam falando que ser juiz é o que vira, porque é uma carreira de respeito e que rende uma grana legal por mês. Pode até ser. Mas eu não vou poder levar a Lucíola comigo pro fórum. Nem tirar uns solos de Hendrix nela no meio da tarde durante um julgamento. Se bem que ia ser loko, hein. Já pensou!? Promotor de um lado, defesa de outro, réu no meio e eu solando...de toga...e a galera pagando pau...porque eu toco pra caralho...
Huahuahuahua...que dá hora...

Hora...putz!! Quatro e quinze. Tinha aquela aula extra de física, as duas. Esqueci de novo. Meu pai vai falar pela centésima nonagésima sétima vez (só essa semana..) “na sua idade eu trabalhava, estudava, ajudava meu pai” assoviava, chupava cana, dava umas com a filha da vizinha...blábláblá...aí no final “naquela época a gente era bem mais responsável que os jovens de hoje.” E minha mãe vai ficar pagando de backing vocal pra ele dizendo “é verdade...é verdade..” pra cada sentença afirmativa que ele disser...
Sentença afirmativa...assinalar a correta...assinalei a D....e a certa era a A...droga! Total de acertos: 28...erros: 20...mais as duas que eu não sei...Graaaaaaaaande Samuel! Pouco mais de 50% de acerto. Pra quem pretende chegar a 95%, ta quase lá...

Na real...não quero mais isso. Cara, eu não entendo por que tudo tem que acontecer na hora que os outros querem. Não quero prestar a porra do vestibular esse ano. Não quero fazer direito. Não quero estudar 5 horas de manhã e mais 5 a tarde e voltar cedo pra casa no sábado porque domingo é dia de resolver os cadernos de exercícios.
Por que tanta pressão? Por que agora, não amanhã ou depois de amanhã? O futuro não é meu? Se eu me ferrar porque demorei pra fazer faculdade e fiquei velho pro mercado de trabalho, quem vai ser o fracassado e fodido pro resto da vida...EU porra!!
Mas quem paga meu colégio e minhas despesas são os velhos. Então eu tenho que me conformar com essa vida de clausura e castidade até passar a semana do vestibular, pelo menos. Clausura pode até ser. Mas castidade..tá foda...se bem que nada mais brochante do que um livro de química. Aliás, tenho dormido pouco, me alimentado mal e estimulado quase nada a minha libido. Se eu ficar impotente antes dos 20 anos, eles vão se sentir culpados pro resto da vida.

Ah, na boa...por hoje chega. Vou ver televisão. Merda! Cinco e meia, quase...hora daquela novelinha imbecil. Alguém precisa dizer pra humanidade que as pessoas com mais de 15 e menos de 20 anos existem, logo pensam! Não sei quem inventou que nessa idade somos uns completos idiotas, manipuláveis e incapazes de fazer as conexões neurais necessárias para desenvolvermos raciocínio e senso crítico...Ohhh!!! Sim...Pasmem, senhores! Nós já sabemos o que é bom e o que é ruim. E mais: sabemos o que é bom e o que é ruim pra nossa vida.

Duvida!? Então deixa eu provar, pô!
Cara...eu to surtando...
Na real...não sei o que eu quero. Eu tenho que fazer facul, tenho que ser alguém na vida, trabalhar, ganhar grana, ter minha casa, minha família, etc, etc, etc....dizem até que eu tenho que ter filhos. Tenho? Será que tenho mesmo?
Ahhhhhhhhhhhh!!!!!!! Foda-se!!!
Eu queria mesmo era tocar com os Doors...puta, cara...ia ser loko, hein. Eu devia ter nascido entre 1945 e 1948...na segunda metade da década de 60 eu teria vinte e poucos anos e ia viver a base de ácido, sexo e rock n’roll...vestibular o caralho! Ia reunir a Janis, o Jimi e o Jim em casa, íamos tocar, compor e zoar muito...
Ia ser bom pra caralho...

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Segunda Carta de Motoqueira aos Heterônimos


A Motoqueira


Olá. Primeiro, diga a todos os seus leitores que sou uma pessoa normal. Eu não gostaria que as pessoas continuassem a me enxergar como uma anomalia, ou como alguma louca, porque eu não sou e você sabe - diga a eles que você sabe, e eles vão acreditar. E, por favor, corrija os meus erros de português, humilhante que é ver os outros comentando sobre as coisas que eu escrevo. E pare de omitir os palavrões, que muito me expressam. Bem, é isso que eu peço a você para continuar a escrever (há aquelas outras coisas a serem discutidas mas, por enquanto, eu só faço questão dessas que eu disse). Se procede mesmo o que você me explicou, eu não sou um simples "heterônimo", mas uma pessoa de carne e osso; ainda assim, concordo que não importa o nome pelo que me chamem, e concordo que não posso sair por aí mudando o nome dos grupos dos outros. Nesses termos, eu ainda sou "A Motoqueira", que, vale lembrar, não tem moto alguma.

Estou com saudades de você. Você pensa que eu não sinto saudades, não é verdade? Sinto falta de você no banco, de você no palco, de você na cama (não explique o que isso significa que às vezes - é raro, mas acontece - eu me envergonho). Agora você resolveu que é profissional, está bebendo e joga baralho. O que estão fazendo com aquele amigo romântico que eu tinha? Não entra nessa não, de bebida, de jogo, que eu não consegui sair até hoje, porra. Veja que eu me deixo cobrar você, ainda mais agora que sei que sou sua melhor amiga. E o serei com toda força. Mais força que as saudades que eu sinto.

Depois de amanhã vou viajar. É uma viagem de irmã com irmã, e a família dela também. Sabe quando temos uma oportunidade única em muitos e muitos anos? Pois é isso que é: minha irmã me convidou para a viagem que nunca fizemos juntas. Vamos à praia. Eu não sei qual praia que é, mas é bonita, eu vi as fotos. Eu já comprei um maiô, uma toalha melhor e vou com os óculos que ganhei de você. O que você acha? Não fique triste, que eu vou trazer uma lembrança para você. E, para mim, eu quero aquela lembrança que não se compra (como vovó já dizia). Fazia muito tempo, sabe?, que eu não conversava com minha irmã, e a viagem vai servir para bons momentos, não é? Então, eu terei uma lembrança.

Se vir minha filha, diz que eu a amo, e que eu estou aqui, para quando ela precisar. Diga que eu estou muito bem aqui, não falta nada e ainda tenho você, apesar da sua chifrudice de não me visitar mais. Você me contou que uma Júlia escreveu sobre o amor daquela carta; agradeça, mande um beijo e diga a ela que é agora a hora de mostrarmos aos outros que os amamos, seja que tipo de amor for. Para ser sincera, do tempo em que fiz aquela carta eu só me arrependo de não ter sido mais direta quando me expressava. Por exemplo, já faz tempo que meu melhor amigo não volta, e me aperta o coração não ter dito com toda a boca que eu o amo. Outro exemplo: aposto que você demorou para perceber o trocadilho no título daquela carta, não é, seu chifrudo? Eu sei ser criativa, pois.

Um grande beijo a você, ao Brigadeiro e aos seus leitores, que ganharam de você permissão para ler tão íntimas linhas, ou algumas delas, ou todas devidamente editadas. De qualquer forma, são íntimas, mas sinceras e sem medo, o que é bom.

Amo você. E Jesus é nosso rei, Amém? Boa vida, em nome de Jesus.

domingo, fevereiro 11, 2007

RENDIÇÃO


Jaime

Decidi tirar férias. Férias das letras, desse caderno solitário, da terapeuta, da minha vida. Cansei de acordar às sete horas da manhã e pedir um pingado na padaria enfrente de casa. Cansei de chegar à faculdade e ver tantos alunos dispersos. Cansei da minha vida.
Por isso tirei férias. Cansei de não ouvir ninguém reclamar ou contar-me novidades. Cansei desse casulo ao qual me coloquei. Cansei de estar sozinho e conversar dia e noite com meu próprio eu, sem expectativas.

Fiquei três longos meses longe de tudo. Mais sozinho ainda, pensando no que queria dos outros. Hoje voltei e aproveitei para visitar a ela. Aquela mulher conhece mais a mim do que a ela mesma. Fez-me olhar o reflexo do espelho e mirar os olhos sem brilho que habitam minha face. Fez-me serrar os olhos depois, e sentir as mãos ásperas grudadas ao meu corpo. Fez-me falar e ao invés de contar-lhe, eu chorei.

Que vergonha senti. Diante de uma mulher, os olhos umedecerem. Ao invés de secar as lágrimas, peguei-me a soluçar. Que vergonha, meus caros. Soluçar. Como uma criança.
Levantei-me olhando para a porta e pedi-lhe licença. Passei pela secretária com a cabeça baixa, em direção a porta, querendo ar puro. Quase me choquei com uma mulher que levava um carrinho de bebês. Desviei-me e atravessei a rua.
Por meia hora o soluço me acompanhou, depois deve ter cansado. Chamei um táxi. Pedi que me levasse à felicidade. Ele não deve ter entendido. “Me leve à felicidade. Basta”.
Ele me deixou enfrente ao parque de diversões. Embora não guarde lembranças, a fragilidade do momento me fez recordar do dia em que meu pai apresentou-nos a roda gigante e nos disse que ela era como a vida, sempre dando voltas. Quis entrar.
Domingo, muita criança circulando. Filas imensas. Até que a encontrei. O sol já começava a fazer minha cabeça latejar então achei que bastaria ficar apenas admirando-a. Sentei-me num banco com sombra, ao lado de um carrinho de algodão doce.

Dei-me conta de que não havia sol. Aliás, parecia até que ia chover. A cabeça latejando deveria ser mais uma vez o meu eu, fugindo de tudo que não parece cômodo.
Enquanto refletia sobre minhas atitudes tolas, distrai-me com a garota que tentava desgrudar o algodão doce que uma pirralhinha metera-lhe no cabelo. Sorte a dela que eram curtos e pudera assim recuperar grande parte de seu doce.
Sempre quis ter cabelos longos, embora meu pai recriminasse esse gosto. Por que então as mulheres que tem esse privilégio insistem em cortá-los?
Mas a menina tinha o rosto delicado e um sorriso encantador. Estava sozinha também. E sem entender o porquê, me vi enfeitiçado em seus gestos. Ela me trouxe uma sensação de paz inexplicável. Certamente era sua felicidade a espalhar-se pelos ares.
Após o episódio do cabelo, levantou-se e entrou na roda gigante, que essa hora não tinha mais filas. Fiquei imobilizado, olhando-a sentar. Ao seu lado, um lugar vazio.
Quem sabe esse não seria o meu momento. Aquele com “o lugar certo, na hora certa, com a pessoa certa”, como costumam dizer. Nem pensei que ela poderia se assustar. Corri até vendedor de algodão doce e pedi com pressa um embrulho, talvez a maneira mais fácil de aproximar-me dela. Quando me virei para o brinquedo, lá estava ele, o banco amarelo. Vazio. E ela já não estava lá.

Voltei ao mesmo lugar e pus-me a deliciar o açúcar caramelado. Não era um amor chegando a explicação para o que me fizera sentir.
Um trovão e bastou para que o céu pesado e cinza caísse sobre minha cabeça. Com as mãos meladas pelo açúcar que derretera, levantei os óculos para enxugar os olhos. Com a vista embaçada, vi a menina de nuca nua a menos de cinco metros, à minha frente. A diferença é que estava seca e protegida na casinha de filas, enquanto eu sentia a água sendo absorvida pela minha roupa mal tratada. Era isso que fazia-nos diferentes, desde o começo. Ela sabia o que fazer, sabia o que quer. Ela andava de cabeça erguida e não tinha medo de ousar, mesmo estando sozinha. Ela, aos meus olhos, sabia ser feliz com ela mesma.
“Uma moça de sorte”. E conclui que já era hora de voltar.

O taxista quase não me deixou entrar. Fez-me comprar uma capa de chuvas para não molhar o banco. Achei melhor me calar e obedecer, como sempre fizera na vida. Ao menos cheguei à minha casa. Meu apartamento bagunçado, minha louça suja, minha cama vazia. O único destino da minha vida, desde que o tempo me fez deixar de ser criança. Em meio a tanto entulho deve estar ela perdida. A minha felicidade.
Deparei-me sem querer com meu próprio reflexo no espelho enquanto tirava a camisa ensopada. Confesso que me surpreendi. Meus olhos voltaram a ter um brilho há muito tempo apagado.

Maria Luísa. Maria Luísa. A única que sabia me fazer sorrir e a mesma que me lembrava que sentir saudades não era pecado. Saudades, Maria Luísa. Saudades do seu colo de mãe.