sexta-feira, junho 02, 2006

ESTE QUE VOS FALA É A IMAGEM DO FRACASSO!


Olívio


Acordei atrasado. De novo. Pela sétima vez nessa semana. Inferno!
Tudo bem, eu sou autônomo. O que me irrita é não poder dizer "Puta que pariu, perdi a reunião com os fornecedores!". É fato: sou um administrador tão medíocre que nunca tive nenhuma reunião com fornecedores.
Acordei com um telefonema da minha mãe. Ela ligou cinicamente pra saber se eu tinha me atrasado novamente. Sua observação soou como maldição aos meus ouvidos:
- Se você tivesse uma mulher pra cuidar de você, isso não aconteceria. Seu burro!
Burro é quem tem cabresto no pé. Se eu precisasse de gerência não seria dono do meu próprio negócio. E que negócio!
A empresa vai bem, mas hoje eu tive vontade de me matar. Pela sétima vez nessa semana! É uma forma de adiantar o sono eterno, já que minha vida está um saco e não consigo despertar na hora certa. Quando penso nisso, o processo criativo começa a aflorar. Afinal, faz parte da minha rotina suicida escolher um método bizarro para morrer e redigir um poema descrevendo requintes da autodestruição que nunca acontece.
Desta vez, resolvi investir na soda cáustica. Eu tinha gasto todo o meu dinheiro com uma puta de luxo na noite anterior, precisava de algo certeiro e barato. Um suco de hidróxido de sódio! Morreria como um injustiçado pela vida, não um bêbado safado, já que a substância corroeria os vestígios de álcool e luxúria ainda presentes no meu corpo pela manhã.
Preparei o refresco e fiquei admirando sua efervescência, enquanto escrevia:

"Quero me jogar de cima da pedra mais alta.
Mas sou urbano, não vejo pedras pela janela!
Queria voltar a ser aquele menino peralta
Mas não sei como, então vou doar minha costela
Pra esculturar a mulher perfeita que nunca encontrei.
E esta soda que agora corre pela minha garganta dissolvida
Me levará pra um lugar onde um homem melhor me tornarei
Pra encontrá-la e fazê-la feliz em outra vida."


Medíocre. Desculpe repetir o adjetivo, mas não vejo outra maneira de expressar tal produção pseudointelectual. De qualquer maneira, a hora da morte estava próxima! Não nego que tive medo, como todas as outras vezes. Conduzi o copo com os íons ávidos por carne humana até a corajosa extremidade da língua. Tive cócegas. Despejei uma pequena quantidade do líquido na boca e cuspi violentamente. Cócegas de novo. Mas não era pra fazer cócegas, porra! Transformei minha enésima tentativa de suicídio numa piada patética.
Então, pensei em Patrícia, a filha mais velha do meu sócio.
Uma garota cheia de si que vive fazendo joguinhos de sedução implícitos. Está sempre perfumada, impecavelmente vestida e com um salto que a deixa maior do que eu! Apesar do visível gosto pela futilidade, algo que abomino, ela sabe estremecer minhas pernas quando passa por perto. Fico sem graça, vagando pelo ambiente em busca do melhor ângulo para admirá-la, com uma vontade incontrolável de tocá-la. Sinto que ela sente o mesmo, mas se segura firme como aço pra não deixar transparecer. Maldita! Ela sabe que eu sei o que ela sente e que ela sabe o que eu sinto.
Bem, posso não acreditar no amor, mas a paixão é uma forma de transcendência totalmente viável. Acabei de descobrir que estou completamente apaixonado por essa mulher. Isso passa, eu sei. Todas as paixões passam para dar lugar a outras, isso quando não são concomitantes. O nosso flerte não assumido tem transcorrido de maneira inteligente, é um jogo proibido que eu não tenho vontade de interromper.
Perdi o tesão pra continuar com aquilo tudo. Me mato outro dia.

2 Comentários:

Às 10:17 PM , Anonymous Anônimo disse...

Para o Senhor,
Meu caro Olívio...
Cito Augusto dos Anjos

Versos Íntimos

"Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo, Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja esta mão vil que te afaga,
Escarra nesta boca que te beija!"

Pesarosamente
Lenita

 
Às 1:55 PM , Anonymous Anônimo disse...

Caro Olívio, estava desanimada quando entrei no Blog, fiquei mais ainda depois de ler seu texto. Desejo, profundamente, não chegar a esse nível de aflição extrema em que você se encontra. Controle seus instintos e tente ver Patrícia com outros olhos, menos furiosos, mais suaves. Toda mulher tem dentro de si certos encantos que homens como você não percebem.

 

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