quarta-feira, maio 23, 2007

Me deixe mais próxima

Patrícia

Foto-montagem: Caroline Ferreira


Os pais da Paty foram viajar há algumas semana. O irmão, mais velho, resolveu ir junto. Ela, que aprendeu que "ficar sozinha em casa não tem preço", decidiu tirar férias de todos. Foram 7 dias, com cozinha e louça sujos, visitas, amigos, andar de calcinha pela casa as 4 da tarde e encontros. Um amigo colorido veio do sertão visitar-lhe.
Ao fim da semana entre cores, músicas, festas particulares, cinzeiros sujos, lixos transbordando, vassoura, sabores, lençóis, garrafas vazias, beijos, comidas rápidas gostosas e sonos em lugares estranhos da casa, a saudade tem acompanhado seu corpo e sentidos.
Resolveu então pegá-las e enviar por mail:

Cheguei meio viva, acho. Já sinto saudades dos tempos em que éramos um só na cama. Saudades de te ver na hora em que acordo, no meu almoço às três da tarde, no meu banho gelado que disfarça o calor do corpo. Se pareço melancólica, desculpe, não foi essa a minha intenção. Foi só o medo que passou por mim e deixou o seu cheiro. Quero te ver de perto. De repente o amor me parece inconstante. Ou serei eu a inconsciente? Não sei. Não sei de muitas coisas. E penso saber de muitas outras. Meus seios estão inchados (acho que é a tpm), mas não me sinto sexy. Nem um tesão absurdo assistindo a um show de rock. Meu corpo é outro. É como se eu seu precisasse te sentir para me sentir. Me deixe mais próxima. Me conte a hora em que acordou, o que comeu, a que horas foi ao banheiro, com que cueca está...

domingo, abril 01, 2007

O que eu vejo daqui

A Motoqueira

Se interessar a você, leia o que eu vou contar sobre o que eu vejo daqui. Talvez você já tenha visto com os seus próprios olhos, mas não se pode apreender tanto no pouco tempo que você fica quando vem; por isso o meu esforço em descrever a você e aos seus amigos tudo aquilo que me é revelado a cada dia sobre o lugar em que eu vivo. Depois, venha me visitar para dizer o que você achou e ver se as coisas conferem. Boa viagem!

Isto aqui é um jardim largo, e o meu canto preferido é bem este aqui de onde escrevo, embaixo desta pitangueira aqui. Não sei se é o lugar mais bonito do jardim, e nem acho que algum jardineiro plantaria alguma pitangueira em algum jardim dos dias de hoje, mas o que se pode fazer quando a fruta que nos é mais doce é a pitanga? Não se pode fazer muito, além de sentar-se à pitangueira e comer pitangas. Mas, se você ainda não sabe, são vários os tipos de doçura que as pitangas podem me oferecer...
a
Havia pitangas no quintal da minha casa; então, toda pitanga tem um poder mágico de trazer meu pai, minha mãe e minha irmã para uma visita. As sementes da pitanga não estão muito além da primeira mordida, o que me rendia uma porção delas em poucos minutos, naquele tempo; você morde com todo o cuidado, sente o docinho e logo pode cuspir na mão uma semente clarinha e bem definida. No entanto, sempre me intrigou o fato de eu nunca conseguir plantar uma pitangueira com aquelas sementes; você joga na terra, molha e logo pode começar a esperar muito tempo. Nunca. De repente, quando cheguei aqui, percebi onde minha pitangueira havia crescido neste tempo todo. "Vejam quantas são suas pitangas! E que doces elas são! E quão claras são suas sementes!", é o que eu digo sempre ao meu pai, minha mãe, minha irmã e a você, quando está aqui. Todos vocês gostam mais das tantas flores bem arranjadas. Bem, eu não posso esperar que sejam perfeitos como umas flores bem arranjadas.

Daqui de onde estou, minha pitangueira me impede de ver as janelas dos quartos, dentre os quais o meu. Quer dizer: por trás da pitangueira (nem tanta sombra, nem tanto sol), bem longe existe um fundo branco que não podemos definir bem se não sabemos que são quartos. É só um fundo branco que parece que é de paz se não sabemos que são quartos. Algumas das melhores pessoas que eu já conheci eu vejo lá. Elas são tão prestativas, meu amor! São tão atenciosas, cada qual dentro das suas capacidades e funções! São tão boas! Mas, se o céu foi construído ali, o que é que me deixa tão angustiada durante o tempo em que eu fico ali? O que me deixa mais angustiada é saber que aquele não é o mundo real. Depois de tanto tempo aqui, por mais louco que você seja, você acaba percebendo que o mundo vai muito adiante do que os nossos olhos nos permitem ver; não é tão difícil perceber que você está impedido de perceber mais. O que nos impede é a terceira e última dimensão deste lugar, que vou descrever a partir de agora:

Os muros. Plantaram trepadeiras nos muros para que o jardim parecesse maior. Pintaram os muros de branco para que o céu parecesse maior. Pobres infelizes! Só o que aumentaram foi a angústia de quem não tem mais nada nesta vida. Agora diga que você não tem parte nisso também! Eu pergunto porque não vejo outro motivo para que você não venha me ver. Se essa for a verdade, a verdade é que não podem suportar a doçura que é natural! Vocês fazem curso para jardinagem, e aprendem um pouco do que a natureza faz naturalmente; aprendem, e a natureza continua a fazer ainda mais belo. Não podem superar a doçura que é espontânea! O que é uma pitangueira neste jardim? Uma anomalia para vocês.

Na verdade, eu escrevo para que você não deixe que eles arranquem a minha pitangueira, que está ameaçada. Me perdoe se sou injusta com você na frente dos seus leitores, e me ajude a cuidar da pitangueira que eles querem cortar. E escrevo também para que você não deixe de cultivar a sua doçura, e a cultive em todo lugar em que estiver. Não permita-se encontrar sua doçura depois de muito tempo, quando já se passaram tantas pessoas e quando o tempo já for quente demais para o cultivo. Eu te amo, e como é espontâneo esse amor!

quinta-feira, março 08, 2007

Eu... não sei

Maria Luísa


E o resultado saiu. Melhor, ihhh o resultado saiu. Ai que medo de olhar! Eu estudei o ano inteiro! Não tive vida social! Emagreci! Queimei quase todos os neurônios! Tive queda de cabelo! Tenho calos nos meus dedos! Vou ter sono pela vida inteira por causa das noites mal dormidas!

- Maria Luísa! Pára de drama e olha logo!- falou mamãe.

Pensa que só eu faço drama? A senhora já reparou bem nos vestibulandos? Lembra do dia que você me levou na primeira fase? Aquelas pessoas sentadas na frente da escola, segurando folhetinhos de cursinho, alguns pareciam zumbis! E outros tentavam disfarçar a ansiedade dando risada, fazendo piadinhas sem graça, mas no fundo estavam com F=m.a na cabeça ou Li, Na, K, Rb, Cs, Fr, ou, ou, ou... Ah! Sei lá! Nem lembro mais nada!

- A lista já está aberta!

Suspiro. Algo se mexe na minha barriga. Medicina, por ordem alfabética: Larissa, Letícia, Luana, Lucas. Não, não quero ver!!

- Me dá esse mouse Maria Luísa!

Alt+F4.

Eu preciso de um tempo!!! Ihhh, o telefone está tocando mãe. Não atende!!

- Mas pode ser alguém querendo te dar parabéns!

Não, não, deve ser alguém querendo me consolar por não ter entrado.

- E aí? Já saiu o resultado?
- Ah, Maria Clara! Vê se convence a tua irmã a olhar a lista que eu já desisti! Vou atender ao telefone.

Me dá um abraço Maria Clara!

- Malú!!! Por que chorar? Você nem sabe o resultado!

Eu não sei, não sei!!!! Maria Clara, olha pra mim? Por favor...

- Claro que olho, sua maluquinha! Troca de lugar comigo.

Mãaaae! Quem era no telefone?

- Seu pai...

Vai dizer que...

- Nãaaao... Parece que não conhece teu pai, distraído... Ligou pra dizer que chega mais tarde hoje.

Maria Clara, me dá sua mão. Quando chegar sua vez de prestar vestibular e você não passar, não fique com pensamentos idiotas na cabeça ok? Vestibular é injusto porque educação de qualidade deveria ser um direito de todos. Ouviu? TODOS. Todos deveriam ter chances nessa concorrência injusta. Imagine quantos talentos, quantas pessoas cheias de vocação não conseguem seguir uma profissão porque não passam no vestibular...

- Malú, tá bom, pode deixar... Agora solta a minha mão e deixa-me ver a lista! Unesp né?

Que Unesp Maria Clara! Quando eu vi a concorrência lá quase desmaiei! E hoje é dia de resultado da FÚvest!

- Desculpa...

Sempre digo que você parece mais com o papai e eu com a mamãe.

- Pelo menos sou mais calma...

Respirar fundo. Olha logo!!!

- Deve ter um montão de gente acessando essas listas agora, demora um pouco.

Maria Clara, deixa eu sentar aí vai.

- Ainda não olhou Maria Luísa??? Será que vou ter que ir no vizinho olhar???? – volta minha mãe.

Pronto, abriu! Medicina, por ordem alfabética: Larissa, Letícia, Luana, Lucas...

- Maria Luísa!!!!

Que? O que?

- Seu nome sua boba!!! Você passou!!!!!

Fiquei paralisada. Elas me abraçavam, me beijavam, gritavam. Escândalo tipicamente feminino. E eu não sei se ria ou chorava. Não sei, não sei.

- O que foi Malú????

Eu... não sei.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Cara, tá foda...


Samuca


Tá...deixa eu ver se já saquei isso tudo...quando rolou a guerra entre os persas e os romanos, a temperatura média do planeta era de 22 graus Celsius, havia mais gimnospermas na região andina, as cadeias de carbono já eram essas que conhecemos hoje e não fazia a menor diferença se o log10 é 1 ou 0...ou 100...ou 1000...
Ahhhhhhhhhh!!!!!!!!!


Não agüento mais estudar pra essa porra de vestibular! Caralho, só faço isso desde os meus 15 anos!!! Tá...eu sei que faz dois anos e que para qualquer pessoa na faixa dos 35 a 40 anos, na qual incluo meus pais, dois anos são quase nada. Mas o tempo é relativo. Não é, caro Einstein!?
Amanhã eu tenho que acordar cedo pra fazer a droga da inscrição. Sei lá o que eu quero. Andar vestido de pingüim o dia todo, enforcado por uma gravata, usando data vênias e habbeas alguma coisa na minha redação, não vai rolar. Meus pais ficam falando que ser juiz é o que vira, porque é uma carreira de respeito e que rende uma grana legal por mês. Pode até ser. Mas eu não vou poder levar a Lucíola comigo pro fórum. Nem tirar uns solos de Hendrix nela no meio da tarde durante um julgamento. Se bem que ia ser loko, hein. Já pensou!? Promotor de um lado, defesa de outro, réu no meio e eu solando...de toga...e a galera pagando pau...porque eu toco pra caralho...
Huahuahuahua...que dá hora...

Hora...putz!! Quatro e quinze. Tinha aquela aula extra de física, as duas. Esqueci de novo. Meu pai vai falar pela centésima nonagésima sétima vez (só essa semana..) “na sua idade eu trabalhava, estudava, ajudava meu pai” assoviava, chupava cana, dava umas com a filha da vizinha...blábláblá...aí no final “naquela época a gente era bem mais responsável que os jovens de hoje.” E minha mãe vai ficar pagando de backing vocal pra ele dizendo “é verdade...é verdade..” pra cada sentença afirmativa que ele disser...
Sentença afirmativa...assinalar a correta...assinalei a D....e a certa era a A...droga! Total de acertos: 28...erros: 20...mais as duas que eu não sei...Graaaaaaaaande Samuel! Pouco mais de 50% de acerto. Pra quem pretende chegar a 95%, ta quase lá...

Na real...não quero mais isso. Cara, eu não entendo por que tudo tem que acontecer na hora que os outros querem. Não quero prestar a porra do vestibular esse ano. Não quero fazer direito. Não quero estudar 5 horas de manhã e mais 5 a tarde e voltar cedo pra casa no sábado porque domingo é dia de resolver os cadernos de exercícios.
Por que tanta pressão? Por que agora, não amanhã ou depois de amanhã? O futuro não é meu? Se eu me ferrar porque demorei pra fazer faculdade e fiquei velho pro mercado de trabalho, quem vai ser o fracassado e fodido pro resto da vida...EU porra!!
Mas quem paga meu colégio e minhas despesas são os velhos. Então eu tenho que me conformar com essa vida de clausura e castidade até passar a semana do vestibular, pelo menos. Clausura pode até ser. Mas castidade..tá foda...se bem que nada mais brochante do que um livro de química. Aliás, tenho dormido pouco, me alimentado mal e estimulado quase nada a minha libido. Se eu ficar impotente antes dos 20 anos, eles vão se sentir culpados pro resto da vida.

Ah, na boa...por hoje chega. Vou ver televisão. Merda! Cinco e meia, quase...hora daquela novelinha imbecil. Alguém precisa dizer pra humanidade que as pessoas com mais de 15 e menos de 20 anos existem, logo pensam! Não sei quem inventou que nessa idade somos uns completos idiotas, manipuláveis e incapazes de fazer as conexões neurais necessárias para desenvolvermos raciocínio e senso crítico...Ohhh!!! Sim...Pasmem, senhores! Nós já sabemos o que é bom e o que é ruim. E mais: sabemos o que é bom e o que é ruim pra nossa vida.

Duvida!? Então deixa eu provar, pô!
Cara...eu to surtando...
Na real...não sei o que eu quero. Eu tenho que fazer facul, tenho que ser alguém na vida, trabalhar, ganhar grana, ter minha casa, minha família, etc, etc, etc....dizem até que eu tenho que ter filhos. Tenho? Será que tenho mesmo?
Ahhhhhhhhhhhh!!!!!!! Foda-se!!!
Eu queria mesmo era tocar com os Doors...puta, cara...ia ser loko, hein. Eu devia ter nascido entre 1945 e 1948...na segunda metade da década de 60 eu teria vinte e poucos anos e ia viver a base de ácido, sexo e rock n’roll...vestibular o caralho! Ia reunir a Janis, o Jimi e o Jim em casa, íamos tocar, compor e zoar muito...
Ia ser bom pra caralho...

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Segunda Carta de Motoqueira aos Heterônimos


A Motoqueira


Olá. Primeiro, diga a todos os seus leitores que sou uma pessoa normal. Eu não gostaria que as pessoas continuassem a me enxergar como uma anomalia, ou como alguma louca, porque eu não sou e você sabe - diga a eles que você sabe, e eles vão acreditar. E, por favor, corrija os meus erros de português, humilhante que é ver os outros comentando sobre as coisas que eu escrevo. E pare de omitir os palavrões, que muito me expressam. Bem, é isso que eu peço a você para continuar a escrever (há aquelas outras coisas a serem discutidas mas, por enquanto, eu só faço questão dessas que eu disse). Se procede mesmo o que você me explicou, eu não sou um simples "heterônimo", mas uma pessoa de carne e osso; ainda assim, concordo que não importa o nome pelo que me chamem, e concordo que não posso sair por aí mudando o nome dos grupos dos outros. Nesses termos, eu ainda sou "A Motoqueira", que, vale lembrar, não tem moto alguma.

Estou com saudades de você. Você pensa que eu não sinto saudades, não é verdade? Sinto falta de você no banco, de você no palco, de você na cama (não explique o que isso significa que às vezes - é raro, mas acontece - eu me envergonho). Agora você resolveu que é profissional, está bebendo e joga baralho. O que estão fazendo com aquele amigo romântico que eu tinha? Não entra nessa não, de bebida, de jogo, que eu não consegui sair até hoje, porra. Veja que eu me deixo cobrar você, ainda mais agora que sei que sou sua melhor amiga. E o serei com toda força. Mais força que as saudades que eu sinto.

Depois de amanhã vou viajar. É uma viagem de irmã com irmã, e a família dela também. Sabe quando temos uma oportunidade única em muitos e muitos anos? Pois é isso que é: minha irmã me convidou para a viagem que nunca fizemos juntas. Vamos à praia. Eu não sei qual praia que é, mas é bonita, eu vi as fotos. Eu já comprei um maiô, uma toalha melhor e vou com os óculos que ganhei de você. O que você acha? Não fique triste, que eu vou trazer uma lembrança para você. E, para mim, eu quero aquela lembrança que não se compra (como vovó já dizia). Fazia muito tempo, sabe?, que eu não conversava com minha irmã, e a viagem vai servir para bons momentos, não é? Então, eu terei uma lembrança.

Se vir minha filha, diz que eu a amo, e que eu estou aqui, para quando ela precisar. Diga que eu estou muito bem aqui, não falta nada e ainda tenho você, apesar da sua chifrudice de não me visitar mais. Você me contou que uma Júlia escreveu sobre o amor daquela carta; agradeça, mande um beijo e diga a ela que é agora a hora de mostrarmos aos outros que os amamos, seja que tipo de amor for. Para ser sincera, do tempo em que fiz aquela carta eu só me arrependo de não ter sido mais direta quando me expressava. Por exemplo, já faz tempo que meu melhor amigo não volta, e me aperta o coração não ter dito com toda a boca que eu o amo. Outro exemplo: aposto que você demorou para perceber o trocadilho no título daquela carta, não é, seu chifrudo? Eu sei ser criativa, pois.

Um grande beijo a você, ao Brigadeiro e aos seus leitores, que ganharam de você permissão para ler tão íntimas linhas, ou algumas delas, ou todas devidamente editadas. De qualquer forma, são íntimas, mas sinceras e sem medo, o que é bom.

Amo você. E Jesus é nosso rei, Amém? Boa vida, em nome de Jesus.

domingo, fevereiro 11, 2007

RENDIÇÃO


Jaime

Decidi tirar férias. Férias das letras, desse caderno solitário, da terapeuta, da minha vida. Cansei de acordar às sete horas da manhã e pedir um pingado na padaria enfrente de casa. Cansei de chegar à faculdade e ver tantos alunos dispersos. Cansei da minha vida.
Por isso tirei férias. Cansei de não ouvir ninguém reclamar ou contar-me novidades. Cansei desse casulo ao qual me coloquei. Cansei de estar sozinho e conversar dia e noite com meu próprio eu, sem expectativas.

Fiquei três longos meses longe de tudo. Mais sozinho ainda, pensando no que queria dos outros. Hoje voltei e aproveitei para visitar a ela. Aquela mulher conhece mais a mim do que a ela mesma. Fez-me olhar o reflexo do espelho e mirar os olhos sem brilho que habitam minha face. Fez-me serrar os olhos depois, e sentir as mãos ásperas grudadas ao meu corpo. Fez-me falar e ao invés de contar-lhe, eu chorei.

Que vergonha senti. Diante de uma mulher, os olhos umedecerem. Ao invés de secar as lágrimas, peguei-me a soluçar. Que vergonha, meus caros. Soluçar. Como uma criança.
Levantei-me olhando para a porta e pedi-lhe licença. Passei pela secretária com a cabeça baixa, em direção a porta, querendo ar puro. Quase me choquei com uma mulher que levava um carrinho de bebês. Desviei-me e atravessei a rua.
Por meia hora o soluço me acompanhou, depois deve ter cansado. Chamei um táxi. Pedi que me levasse à felicidade. Ele não deve ter entendido. “Me leve à felicidade. Basta”.
Ele me deixou enfrente ao parque de diversões. Embora não guarde lembranças, a fragilidade do momento me fez recordar do dia em que meu pai apresentou-nos a roda gigante e nos disse que ela era como a vida, sempre dando voltas. Quis entrar.
Domingo, muita criança circulando. Filas imensas. Até que a encontrei. O sol já começava a fazer minha cabeça latejar então achei que bastaria ficar apenas admirando-a. Sentei-me num banco com sombra, ao lado de um carrinho de algodão doce.

Dei-me conta de que não havia sol. Aliás, parecia até que ia chover. A cabeça latejando deveria ser mais uma vez o meu eu, fugindo de tudo que não parece cômodo.
Enquanto refletia sobre minhas atitudes tolas, distrai-me com a garota que tentava desgrudar o algodão doce que uma pirralhinha metera-lhe no cabelo. Sorte a dela que eram curtos e pudera assim recuperar grande parte de seu doce.
Sempre quis ter cabelos longos, embora meu pai recriminasse esse gosto. Por que então as mulheres que tem esse privilégio insistem em cortá-los?
Mas a menina tinha o rosto delicado e um sorriso encantador. Estava sozinha também. E sem entender o porquê, me vi enfeitiçado em seus gestos. Ela me trouxe uma sensação de paz inexplicável. Certamente era sua felicidade a espalhar-se pelos ares.
Após o episódio do cabelo, levantou-se e entrou na roda gigante, que essa hora não tinha mais filas. Fiquei imobilizado, olhando-a sentar. Ao seu lado, um lugar vazio.
Quem sabe esse não seria o meu momento. Aquele com “o lugar certo, na hora certa, com a pessoa certa”, como costumam dizer. Nem pensei que ela poderia se assustar. Corri até vendedor de algodão doce e pedi com pressa um embrulho, talvez a maneira mais fácil de aproximar-me dela. Quando me virei para o brinquedo, lá estava ele, o banco amarelo. Vazio. E ela já não estava lá.

Voltei ao mesmo lugar e pus-me a deliciar o açúcar caramelado. Não era um amor chegando a explicação para o que me fizera sentir.
Um trovão e bastou para que o céu pesado e cinza caísse sobre minha cabeça. Com as mãos meladas pelo açúcar que derretera, levantei os óculos para enxugar os olhos. Com a vista embaçada, vi a menina de nuca nua a menos de cinco metros, à minha frente. A diferença é que estava seca e protegida na casinha de filas, enquanto eu sentia a água sendo absorvida pela minha roupa mal tratada. Era isso que fazia-nos diferentes, desde o começo. Ela sabia o que fazer, sabia o que quer. Ela andava de cabeça erguida e não tinha medo de ousar, mesmo estando sozinha. Ela, aos meus olhos, sabia ser feliz com ela mesma.
“Uma moça de sorte”. E conclui que já era hora de voltar.

O taxista quase não me deixou entrar. Fez-me comprar uma capa de chuvas para não molhar o banco. Achei melhor me calar e obedecer, como sempre fizera na vida. Ao menos cheguei à minha casa. Meu apartamento bagunçado, minha louça suja, minha cama vazia. O único destino da minha vida, desde que o tempo me fez deixar de ser criança. Em meio a tanto entulho deve estar ela perdida. A minha felicidade.
Deparei-me sem querer com meu próprio reflexo no espelho enquanto tirava a camisa ensopada. Confesso que me surpreendi. Meus olhos voltaram a ter um brilho há muito tempo apagado.

Maria Luísa. Maria Luísa. A única que sabia me fazer sorrir e a mesma que me lembrava que sentir saudades não era pecado. Saudades, Maria Luísa. Saudades do seu colo de mãe.

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Ela finge ser feliz, parte II

Maria Luísa
Devo desculpas aos leitores do “Heterônimos”, mas quem leu meu primeiro texto sabe que sou vestibulanda, uma entre tantos outros que prestam Medicina. O fim de 2006 foi agitado, quanta coisa aconteceu! Mas hoje vou lembrar daquele domingo do texto anterior, cumprir com o meu compromisso de continuar a história e daqui alguns dias (prometo que não será daqui alguns meses) conto como foram os vestibulares, que ainda não terminaram, segunda fase se aproximando... Para retomar, o último parágrafo:

Uma caminhada e estarei lá. Espero que esteja cheio, o tempo está fechando um pouco, São Paulo, São Paulo. Daqui já consigo ouvir a música e sentir o cheiro doce, que sensação boa...
Algumas pessoas entrando, crianças gritando, poucos jovens. Algo comum entre eles é o sorriso no rosto, inevitável não sorrir também, ainda que o meu tenha um fundo de tristeza. Sem tragédia! Se sofro decepções, se tenho certas dúvidas ou caio em ilusões é sinal que estou viva. Recentemente descobri que finjo ser feliz porque desde o dia que deixei de ser criança, não lembro quando foi, os problemas entraram na minha cabeça e de lá não querem mais sair.
O que posso fazer? Tentar resolver? Esse já é um exercício diário... O negócio é fingir felicidade, não enganar aqueles que convivem comigo, finjo para enganar minha cabeça, para distraí-la, como em um laboratório, manipular a química do meu corpo a meu favor. Como não existe vida perfeita, essa manipulação (muitas vezes inconsciente) é muito comum para todo ser-humano. Maria Luísa sem novidades.

Bem, o lugar que fui é um dos ingredientes para a fórmula da felicidade que nunca fica pronta, não fica pronta tanto a fórmula quanto a felicidade. Comprei meu ingresso na bilheteria, sem fila demorada. Olho para cima, acho que um pinguinho de chuva caiu no meu braço, se chover não dá pra aproveitar direito, perigo de raio. Também não quero voltar para casa molhada. Onde vou primeiro? Ao contrário das outras vezes quero começar com emoção. Já sei! A sensação aqui é boa, boa não quer dizer agradável. Teve momentos que me arrependi de ir, mas ao fechar os olhos e sentir o vento violento no rosto a vontade foi de repetir, melhor não, o coração não anda nos seus melhores dias. Nada de quedas violentas, o desejo agora é de voar, voar rápido. Aqui é possível desde que você se suspenda no ar e gire a toda velocidade, tanta força que lembrei de Newton.

Agora posso colocar a tiara de volta. Chega de emoções fortes, um doce para amenizar, um banquinho para descansar. É legal apreciar a paisagem e ver quanto tipo de gente existe. O garotinho segurando um balão sorri, a menininha gruda o cabelo no algodão-doce e senta do meu lado para desgrudar.
- Deixa que eu te ajudo, segura o meu, mas cuidado pra não grudar esse também – Ela sorri gostoso.
Tento com delicadeza puxar o cabelo em vão, ela resmunga um pouquinho. De repente, a voz de uma mulher me assusta:
- Maria Luísa! Te procurei em todo lugar menina!
Olho assustada e vejo a mulher brava se aproximar e puxar minha coleguinha do algodão-doce pela mão. Lança um olhar esquisito na minha direção, tipo tire suas mãos sujas do cabelo da minha filha! Levanto as mãos pra ela ver que não estava armada. As duas vão embora, a Maria Luísa olha para trás e dá um aceno pequenino. Nem deu tempo de dizer que eu também me chamo Maria Luísa, nem de pedir meu algodão-doce de volta. Coincidências...
- Tchau Malu!
Agora eu vou... Huuuum, sim, lá mesmo. Um sobe e desce lento, vento suave no rosto. Céu cinza, quase chuva. Lá em cima o coração pula de medo, lá em baixo pula por vontade de subir novamente. Pena não ter ninguém do meu lado para compartilhar a sensação. Não gostei do lugar vazio ao meu lado. Mudei logo, é de lá que vem a música! Também tem sobe e desce, só que sem medo, não é alto. Deu pra viajar um pouco, do lado de fora, minha mãe em um lado:
- Cuidado pra não cair Malú!
- Tá!
E meu pai com a câmera Polaroid de outro:
- Olha o passarinho Malú!
- Que passarinho?
Meia volta:
- Cuidado pra não cair Malú!
- Tá!
Meia volta:
- Olha o passarinho Malú!
- Que passarinho?
Minha gargalhada, leve, espontânea. Ficou no passado.
- Cuidado pra não cair Malú!
- Olha o passarinho Malú!
O trovão me desperta, a chuva chega. Aqui é coberto, mas posso sentir umas gotas molhando minha perna. Quase me distraio de novo se não fosse um grupo logo atrás de mim. Um rapaz grita:
- Justo hoje foi chover!
- Ah... Vê o lado bom, todo mundo foi embora, e a gente ficou aqui, único lugar coberto – Responde a moça alegremente.
Lado bom. É, sempre existe um lado bom. No entanto, meu lado ruim chamava. Ou eu descia logo para pegar o metrô ou chegava depois dos meus pais em casa. Melhor descer e encarar a chuva! Nada como um domingo molhado no metrô. Ligo meu Ipod, primeira música, Universo ao meu redor, da Marisa Monte. “Tarde, já de manhã cedinho/ Quando a nevoa toma conta da cidade/ Quem pega no violão/ Sou eu, sou eu/ Pra cantar a novidade/ Quantas lágrimas de orvalho na roseira/ Todo mundo tem um canto de tristeza/ Graças a Deus, um passarinho/ Vem me acompanhar/ Cantando bem baixinho/ E eu já não me sinto só/ Tão só, tão só/ Com o universo ao meu redor.” Fiquei feliz. De verdade. Música faz essas coisas com a gente.
Chegando em casa, surpresa! Todo mundo em casa cedo. Minha mãe com aquela cara:
- Maria Luísa! Onde você foi????
- Por aí.
- Por aí onde?
- No parque.
- Que parque?
Corri na direção dela, dei um beijo estalado e fui tomar banho.

“Graças a Deus, um passarinho/ Vem me acompanhar/ Cantando bem baixinho/
E eu já não me sinto só/ Tão só, tão só/ Com o universo ao meu redor.”