O mundo é bão
Maria Luísa
Foi um desses dias no qual ter aula de física às duas horas da tarde parecia letal, sendo mais clara, se eu entrasse naquela sala de aula e ouvisse o professor dizendo: “Força é igual à massa vezes aceleração” cairia morta no chão de tanto tédio. Incrível como conseguem transformar algo tão fascinante que é a ciência em coisa tão monótona. Pensando nisso, após o almoço, fui andar pelas redondezas da escola, sem ir muito longe, mamãe passaria em frente para me buscar às quatro e meia e Deus me livre de ela imaginar que eu enforquei o cursinho.
Que sensação boa. Posso até sentir o ar carregado de gás carbônico entrar pelos meus pulmões! Deu-me até uma súbita vontade de cantar: “I want to break free! I want to break free!! I want to break free from your lies/You're so self satisfied I don't need you/I've got to break free! God knows!! God knows I want to break free!” Já ouviram? Do Queen. “God knows!! God knows I want to break free!” Um mendigo na rua até deu risada e disse: “Moça, se eu tivesse alguma moeda eu até te daria” e caiu numa gargalhada insana. Não agüentei, entrei na dele, quis agradar com uma moeda. Coloquei a mão no bolso e não encontrei nada. Tirei a mochila das costas, abri e nada! Que vergonha. Olhei pra ele dando risada e a gargalhada dele cessou, não achou graça.
– Desculpe moço, não tenho nada mesmo, peraí, acho que tenho sim
Os olhos dele brilharam, tirei um chocolate do bolso
– Toma, um Suflair de chocolate alpino, meu preferido.
“Mas não tem nenhuma moedinha?”
- Não tenho, mas o chocolate é boooom.
Ele abraçou o chocolate, acho que fiz cara de quem ia roubar dele. Até parece que eu faria isso, coitado, todo sujo, dentes maltratados, olho vermelho, vai saber o que esse cara já encontrou pelo caminho e além de tudo, pela gargalhada dele e pelo jeito que me olhou quando agarrou o Suflair, provavelmente deve estar beirando a loucura. Resolvi conversar com ele:
- Qual é seu nome?
Olho arregalado, acho que nunca perguntaram isso pra ele. Sebastião.
- O senhor mora por aqui?
Fez que sim com a cabeça. Começou a abrir o chocolate, como quem queria fugir da conversa, tipo: “Dá licença que agora eu vou comer”. O problema foi que ele não achava o “Puxe Aqui” e começou a xingar.
- É... então, vira do outro lado, tem uma flechinha vermelha é só puxar.
Achou a flechinha, puxou e a flechinha ficou na mão dele.
- Tenta enfiar a unha por baixo da bordinha e rasgar
Ele já estava perdendo a paciência. As pessoas passavam apressadas pela calçada, alguns olhavam para aquela cena pouco comum, aquele senhor maltrapilho sacudindo a embalagem vermelha e dourada no ar, resmungando coisas incompreensíveis, enquanto eu disfarçava como quem dizia: Não, não fui eu que dei esse suplício pra ele!
Foi aí que eu perdi a paciência! Peguei um estilete dentro da mochila, desses de apontar lápis que não dá para apontar com apontador e me abaixei para pegar aquela maldita embalagem e abri-la logo. Seu Sebastião se assustou, me empurrou e saiu correndo, diria assim, abraçado ao chocolate. Fiquei ali, sentada no chão com o estilete empunhado. Um homem que estava no orelhão próximo me fitou com desprezo e fez um movimento negativo com a cabeça. Será que ele pensou que eu tentei roubar chocolate de um mendigo usando um estilete como arma? Levantei-me, limpei a calça. Minhas costas doíam um pouco.
Fui andando em direção à escola pensando no mendigo, como ele chegara àquele estado, de onde ele vinha, se era louco ou não, se tinha conseguido abrir o Suflair... Avistei minha mãe de longe, a uns dois quarteirões de distância. E sabe que música veio à minha cabeça?
“ O mundo é bão Sebastião, o mundo é bão Sebastião, o mundo é bão Sebastião, o mundo é seu Sebastião, ão, ao!”.
Ela riu quando entrei no carro cantarolando essa música e perguntou:
- Por que essa música Maria Luísa?
- Ahh... nada não.
6 Comentários:
o mundo é realmente bão, alguém tem dúvidas?
tbm sou muito intrigado com mendigos, tenho uma historinha ó:
Apareceu um mendingo em casa ( na casa da minha mae na verdade) e demos lhe o que comer, claro. Mas ele foi sincero qria mesmo tomar pinga. E minha mãe acho legal a sinceridade e o jeito do mendigo e deu lhe tbm uma moeda para a cachaça. Saiu todo feliz, lóóógico. Um outro dia ele voltou e eu ouvi lá de dentro, o mendigo comentando com alguém na rua (em alto e bom som):
- vai chingar a mãe, vou pedir pinga sim, essa dona aqui já me conhece!
Como assim já me conhece? rsrs
achei isso ótimo!
Mas, enfim, seu texto é muito gostoso de ler. Adoro. Quem será o sebastião do nando reis né?
abração!
Nossa..como o seu texo é gostoso de ler...ele é envolvente...muito bom...adorei...eu curto mendigos...adoro o sub-mundo!!!hhahahahua
Q blz!!! Realmente, mto gostoso de ler.. e Suflair tb é o meu preferido! rsrs :-)
Eu tbm adoro submundo!
Eu aki,viajando. Aula? nem pensar ate o fds!Maranhao.. um lugar lindo, mas parece que a paisagem só é completa com as casas mal acabadas e a sensação de que por aqui o tempo ainda nao passou e falta chegar a tecnologia. Triste, mas parece que todos são eternos mendigos. Nao, eles nao pedem nada. Mas andam descalços, com roupas encardidas, cabelos despeteados, abrem as portas das casas de pau a pico qnd o onibus passam e as crianças acenam com a mão como se nunca tivessem visto tanta gente "cheirosa". Entao, todos os Paulistanos comentam sobre a pobrza do lugar e se desesperam com a situaçao precaria. Eu me pergunto, sera q eles sao tao infelizes qnto imaginamos? Ao menos sorriso no rosto eles têm, mesmo qnd as roupas limpas secam encima do arame farpado, ja sujas novamente pela areia trazida pelo vento...
" O mundo é bão sebastiao, o mundo é bao sebastiao.." - O homem é que é exigente demais!
Fantástico!!!
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