domingo, abril 01, 2007

O que eu vejo daqui

A Motoqueira

Se interessar a você, leia o que eu vou contar sobre o que eu vejo daqui. Talvez você já tenha visto com os seus próprios olhos, mas não se pode apreender tanto no pouco tempo que você fica quando vem; por isso o meu esforço em descrever a você e aos seus amigos tudo aquilo que me é revelado a cada dia sobre o lugar em que eu vivo. Depois, venha me visitar para dizer o que você achou e ver se as coisas conferem. Boa viagem!

Isto aqui é um jardim largo, e o meu canto preferido é bem este aqui de onde escrevo, embaixo desta pitangueira aqui. Não sei se é o lugar mais bonito do jardim, e nem acho que algum jardineiro plantaria alguma pitangueira em algum jardim dos dias de hoje, mas o que se pode fazer quando a fruta que nos é mais doce é a pitanga? Não se pode fazer muito, além de sentar-se à pitangueira e comer pitangas. Mas, se você ainda não sabe, são vários os tipos de doçura que as pitangas podem me oferecer...
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Havia pitangas no quintal da minha casa; então, toda pitanga tem um poder mágico de trazer meu pai, minha mãe e minha irmã para uma visita. As sementes da pitanga não estão muito além da primeira mordida, o que me rendia uma porção delas em poucos minutos, naquele tempo; você morde com todo o cuidado, sente o docinho e logo pode cuspir na mão uma semente clarinha e bem definida. No entanto, sempre me intrigou o fato de eu nunca conseguir plantar uma pitangueira com aquelas sementes; você joga na terra, molha e logo pode começar a esperar muito tempo. Nunca. De repente, quando cheguei aqui, percebi onde minha pitangueira havia crescido neste tempo todo. "Vejam quantas são suas pitangas! E que doces elas são! E quão claras são suas sementes!", é o que eu digo sempre ao meu pai, minha mãe, minha irmã e a você, quando está aqui. Todos vocês gostam mais das tantas flores bem arranjadas. Bem, eu não posso esperar que sejam perfeitos como umas flores bem arranjadas.

Daqui de onde estou, minha pitangueira me impede de ver as janelas dos quartos, dentre os quais o meu. Quer dizer: por trás da pitangueira (nem tanta sombra, nem tanto sol), bem longe existe um fundo branco que não podemos definir bem se não sabemos que são quartos. É só um fundo branco que parece que é de paz se não sabemos que são quartos. Algumas das melhores pessoas que eu já conheci eu vejo lá. Elas são tão prestativas, meu amor! São tão atenciosas, cada qual dentro das suas capacidades e funções! São tão boas! Mas, se o céu foi construído ali, o que é que me deixa tão angustiada durante o tempo em que eu fico ali? O que me deixa mais angustiada é saber que aquele não é o mundo real. Depois de tanto tempo aqui, por mais louco que você seja, você acaba percebendo que o mundo vai muito adiante do que os nossos olhos nos permitem ver; não é tão difícil perceber que você está impedido de perceber mais. O que nos impede é a terceira e última dimensão deste lugar, que vou descrever a partir de agora:

Os muros. Plantaram trepadeiras nos muros para que o jardim parecesse maior. Pintaram os muros de branco para que o céu parecesse maior. Pobres infelizes! Só o que aumentaram foi a angústia de quem não tem mais nada nesta vida. Agora diga que você não tem parte nisso também! Eu pergunto porque não vejo outro motivo para que você não venha me ver. Se essa for a verdade, a verdade é que não podem suportar a doçura que é natural! Vocês fazem curso para jardinagem, e aprendem um pouco do que a natureza faz naturalmente; aprendem, e a natureza continua a fazer ainda mais belo. Não podem superar a doçura que é espontânea! O que é uma pitangueira neste jardim? Uma anomalia para vocês.

Na verdade, eu escrevo para que você não deixe que eles arranquem a minha pitangueira, que está ameaçada. Me perdoe se sou injusta com você na frente dos seus leitores, e me ajude a cuidar da pitangueira que eles querem cortar. E escrevo também para que você não deixe de cultivar a sua doçura, e a cultive em todo lugar em que estiver. Não permita-se encontrar sua doçura depois de muito tempo, quando já se passaram tantas pessoas e quando o tempo já for quente demais para o cultivo. Eu te amo, e como é espontâneo esse amor!